Fanzine dedicada à consciencialização da poluição por parte dos navios cruzeiros.

Fanzine Adamastor

Date: 05/16/2022

Enxofre Dos 4 Cantos do Mundo


O Problema

Cruzeiros. Transporte magnata, autênticas odes ao lazer bohémio citadino, caravanas reais dos mares. O sonho de qualquer um, o arquétipo do romance idealizado, as melhores férias que o dinheiro consegue pagar.

O apelo é palpável: viajar sobre a tranquilidade líquida do mar, visitar as principais capitais mundiais, reencarnar o espírito de aventura de eras passadas, viver um galmour hollywoodiano, tudo isto e ter ainda acesso às mais finas pracetas comerciais, restaurantes, piscinas e qualquer outro motivo de lazer digno de um hotel de quatro estrelas para cima. Ao fim e ao cabo, depois de um exaustivo ano a trabalhar e a poupar, não merecemos nós o melhor que a vida moderna tem para nos dar (durante a estação balnear, pelo menos)?

Tais considerações não só são válidas e legítimas, como até louváveis. Não é por acaso que até à pandemia da COVID-19 o turismo de cruzeiros estava num alto de popularidade, sendo na altura uma das indústrias de crescimento mais rápido na área do turismo, com 30 milhões de passageiros anuais. No entanto, todo o luxo tem as suas consequências, e no meio do turbilhão que são as discussões climáticas, o caso do turismo à base de cruzeiros, estas têm passado despercebidas ao olho comum.

Passemos então à análise estatística destes imperadores náuticos de lazer

Cada navio gera mais emissões de carbono que 12 mil automóveis. Segundo as contas da Federação Europeia de Transporte e Ambiente, só as embarcações do maior operador turístico poluem 10 vezes mais que todos os 260 milhões de automóveis da Europa. Um cruzeiro que circule pela Antártida poderá produzir tantas emissões de dióxido de carbono (CO2) como a média europeia num ano inteiro.

Apesar de os navios de cruzeiro constituitem uma pequena percentagem da indústria naval mundial, calcula-se que cerca de 24% de todos os resíduos produzidos pela navegação provêm deste sector. Um cruzeiro que transporte 2700 passageiros, um número razoável para este tipo de embarcação, pode produzir uma tonelada de resíduos por dia. Estes resíduos, por vezes chamados de "águas cinzas", consistem geralmente em águas de torneiras, lavandarias, chuveiros, sanitas, lavagem de louça e limpeza externa. Poluem praias, contaminam corais e destroiem a ecologia marinha.

Mas os cruzeiro não produzem só resíduos marítimos: um dos seus principais agentes de destruição é o óxido de enxofre (SO2). Este gás, emanado para a atmosfera, é causador de doenças cardiovasculares e respiratórias, contribuindo ainda para a acidificação e eutrofização do oceano, tendo um impacto negativo no equilíbrio dos ecossistemas e na qualidade de vida das localidades com terminais de cruzeiros, como é o caso do Porto de Leixões. De facto, só este poluente é responsável por cerca de 250 mil mortes prematuras e cerca de 6.4 milhões de casos de asma infantil por ano em todo o mundo.

Dentro da nossa zona, o Mediterrâneo, estima-se que até 10% das emissões totais de CO2 de navios sejam causadas por cruzeiros.
Sendo Portugal (Madeira e Açores incluídos) um destino turístico bastante popular, é uma paragem frequente em rotas de cruzeiros. Tal popularidade traz consequências desastrosas para os habitantes das zonas litorais. Em 2023, Lisboa e Funchal encontram-se no top 10 europeu de sítios mais poluídos por cruzeiros. Pelo segundo ano consecutivo, Portugal voltou a ser o sexto país com maior concentração na atmosfera de óxido de enxofre.
Em Lisboa, durante o ano de 2022, os navios de cruzeiros emitiram 2,44 vezes mais SO2 que os cerca de 374 mil veículos de passageiros que registados na cidade (11 toneladas contra 4,5 toneladas, respectivamente).


O Contra-Argumento

Mas será assim tão linear que pequenas cidades que vão e vêem, carregadas de turistas com algum poder monetário e bastante tempo de lazer, que os trazem mesmo ao pé das nossas principais atrações turísticas possam apresentar somente desvantagens?
Um dos maiores argumentos que os defensores dos cruzeiros utilizam para a sua manutenção é a sua contribuição para a economia local. Mas os hóspedes destes navios gigantes realmente gastam dinheiro nas cidades em que atracam?

Vários estudos mostraram que os passageiros que desembarcam de navios não contribuem tanto para a economia local como se imagina. Com comida, bebidas e souvenirs disponíveis a bordo, o dinheiro fica no mar.

Talvez não seja surpreendente saber que o maior navio de cruzeiro do mundo, o Wonder of the Seas, tem 20 restaurantes impressionantes, um teatro com 1.400 lugares e lojas que vendem de tudo, desde relógios finos até moda de alta costura. Dependendo do pacote que o passageiro escolher, alimentação e bebidas geralmente estão incluídas e as compras são isentas de impostos e taxas. Um estudo feito em Bergen, Noruega - uma paragem popular para cruzeiros pelos fiordes - descobriu que até 40% das pessoas nunca deixaram o navio. Para os que desembarcaram, o gasto médio foi inferior a 23 euros.

Mais estudos sobre a cidade norueguesa feitos em 2013 descobriram que a duração da estadia foi provavelmente um dos fatores que mais pesaram no valor que os passageiros gastam.
A permanência média no porto dura cerca de oito horas, mas isso pode variar muito dependendo do itinerário do navio. Para alguns - como Barcelona - pode levar apenas quatro horas. E os gastos permanecem baixos mesmo quando os passageiros têm mais oportunidades para gastar o seu dinheiro. A indústria de cruzeiros argumenta que a contribuição média de um passageiro para a economia local é muito maior do que a estimativa de Bergen, cerca de US$ 100 (€ 91) por dia.
Uma forma de colmatar o fosso seria aumentar a taxa de passageiros cobrada nos portos, que atualmente ronda os 4€ a 14€ por pessoa.


O Que Fazer?

Esta imagem que acabámos de pintar é deveras pessimista. Enraivecedora, até. Que soluções poderão existir, então, para colmatar este terrível cenário?
Antes de partirmos para a análise de respostas, devemos deixar uma advertência contra as falsas soluções apresentadas pelos operadores de cruzeiros. Tais fantasmas incluem a promoção do gás fóssil como combustível de cruzeiros. Tais propostas não só são inúteis, como ainda agravam o impacto ambiental dos navios de cruzeiro, sendo apenas venenonas campanhas "verdes" para fingir ação tomada, escondendo uma complacência maliciosa.

Olhemos então para casos de sucesso:

Conhecido pelo turismo de cruzeiro em massa, o porto de Veneza era, em 2019, o mais poluído da Europa, mas, em 2022, desceu para a posição número 41 da lista. A grande mudança é que os grandes navios de cruzeiro deixaram de poder atracar na Lagoa de Veneza, mas sim numa zona mais distante da cidade. Neste momento, não tem a pressão enorme dos grandes navios que estavam encostados relativamente perto das principais atrações de Veneza a poluir e a causar problemas nessa zona."

Em novembro, Bar Harbor, no estado norte-americano do Maine, também decidiu impor limites rígidos ao número de turistas que podem desembarcar de navios.
A partir de 2024, apenas mil passageiros e tripulantes por dia poderão fazer uma vista.
O número médio de passageiros por cruzeiro é atualmente de cerca de três mil pessoas, o que significa que este é um duro golpe para os operadores que desejam atracar na cidade.
Os limites surgiram depois de a população local ter feito uma petição para restringir o número de turistas, dizendo que estavam a ser “invadidos” pelo tráfego de cruzeiros. Não é um desenvolvimento surpreendente: um estudo de 2021 constatou que a maioria dos residentes de Bar Harbour estava insatisfeita com estes enormes navios. Mais de 50% dos entrevistados disseram que o turismo de cruzeiros era mais negativo do que positivo para Bar Harbour. A qualidade de vida caiu 53% devido à indústria.

Chegamos, portanto, a esta lista de potenciais medidas a tomar para colmatar o problema em causa:

    🜍 Impedir a atracagem de cruzeiros perto de zonas urbanas

    🜍 Impor limites rígidos ao número de turistas que podem desembarcar de navios

     🜍 Aumentar a taxa de passageiros cobrada nos portos

    🜍 As autoridades portuárias devem evitar quaisquer investimentos em infraestruturas de abastecimento de gás fóssil

    🜍 Canalização de esforços e investimento para o fornecimento de combustíveis de origem não biológica

    🜍 Criação de um regulamento para todos os portos europeus para o estabelecimento de limites de emissão nos navios

    🜍 Desenvolvimento de navios que consigam vir a utilizar outros combustíveis que não o fuel

O porto de Leixões recebeu, no primeiro semestre de 2023, o maior número de navios de cruzeiro de sempre, segundo uma nota da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) consultada esta segunda-feira pela Lusa. Contam-se 56 navios de cruzeiro e 68.203 passageiros.

Vamos permanecer quietos enquanto as nossas orlas marítimas são espezinhadas em prol do lucro de terceiros?
Não nos deixemos escravizar por estes monstros de enxofre fumegantes.



Bibliografia

🜍 "Porto de Leixões recebe maior número de cruzeiros de sempre", 2023
🜍 "Lisboa e Funchal no top 10 europeu de poluição por navios de cruzeiro", 2023
🜍 "Poluição e turismo massivo estão a levar algumas cidades a proibir navios de cruzeiro", 2023
🜍 "Poluição por navios de cruzeiro: Portugal entre os piores, os impactos e o exemplo de Veneza", 2023
🜍 "Lisboa e Funchal no 'top 10' dos portos europeus com maior poluição por navios de cruzeiro", 2023
🜍 "Portugal está no top 3 de volume de vendas da Royal Caribbean", 2022
🜍 "Cruzeiros em xeque pela pegada ambiental: cada grande navio gera mais emissões de carbono que 12 mil automóveis", 2021
🜍 "Cruzeiros: os 'majestosos' agentes da poluição", 2021
🜍 "Lisboa é a sexta cidade europeia mais poluída pelos navios de cruzeiro", 2019
🜍 "Poluição gerada por navios-cruzeiro atinge recorde", 2019
🜍 "Porto de Leixões recebe maior navio de sempre", 2018